A tarde em que compartilharam a companhia uma da outra na solidão aconchegante do oásis deu origem aos encontros rotineiros entre as duas. O sol diariamente acariciava seus rostos enquanto a conversa fluía e entrelaçava suas percepções de mundo. Foi com a Omega que Nailah despertara seu desejo de lutar pelo que achava correto, e defender a universalização do conhecimento para todos os habitantes de Edom, sem se importar com a sua nascença. Embora continuasse sempre fiel a Bettenou e aos seus ensinamentos, ela presenciava o constante crescimento da crença de que, mesmo que cada pessoa estivesse designada a desempenhar um papel específico na sociedade, todas elas tinham direito ao livre acesso do conhecimento que desejassem.   

Foi com esse objetivo que Nailah ingressara no curso de Relações Públicas, lançando seu olhar para um futuro na política de Edom. Amina continuara sempre ao seu lado, como namorada, noiva, e recém esposa. E mesmo na tenra idade representada pelos seus 21 anos, elas tomaram a decisão de aumentar a família. Juntas foram capazes de conciliar a graduação e a criação de uma criança, e Hessa veio como um raio de luz, enviado pela Deusa, para abençoar a vida do casal e a felicidade do lar.  

Embora desfrutasse de uma careira bem sucedida como Senadora de Edom, Nailah se sentia especialmente realizada com a prosperidade de seu lar. Era como se sua própria existência se enchesse de satisfação ao retornar para casa e ser recebida pelos lábios de sua esposa e pelos abraços de Hessa, que crescia mais a cada dia. Os domingos, em especial, eram os dias em que sua alma entrava em completa paz, pois ao ir com a família até um dos oásis de Idex e passar a tarde à sombra de uma árvore, ela sentia uma vontade imensa de congelar o momento e poder viver nele para sempre, apreciando eternamente os doces olhos cor de âmbar de Amina enquanto a pequena Hessa brincava com as borboletas ao redor da árvore. E mesmo ao fechar os olhos, ela podia sentir a calma e o amor que somente a presença de sua família proporcionava.   

Porém, com o passar dos anos, assuntos conflituosos entre ela e a esposa passaram a surgir com cada vez mais frequência nas conversas do casal. Amina, com a personalidade forte e mente revolucionária que sempre tivera, adorava dialogar contra a opressão dos Omegas, e esse, de longe, não era o problema dessas conversas. Nailah sempre defendera a proteção dos Omegas, tanto dentro de sua casa quanto em sua posição no Senado. Como não iria defender sua família, que era o que mais amava no mundo? Porém os ideais de Anima não paravam por aí, ela constantemente propunha diversas rupturas com a sociedade que estava estabelecida, e às vezes parecia até propor a violência como um instrumento de mudança, e a partir desse tópico eram desenroladas longas discussões entre as duas. Nailah jamais concordaria com ações que fossem contra a primeira Lei Sagrada de Bettenou, a paz de Edom era uma de suas prioridades como política e como Alpha. Como Amina poderia cogitar tais absurdos? E principalmente, como poderia externalizar esses absurdos na frente de Hessa, que ja beirava os 15 anos de idade e poderia ser influenciada durante a formação de sua visão de mundo.   

Mas para sua infelicidade, as discussões nunca chegavam a um consenso, e com o surgimento da Insurgência, surgiu também a instabilidade entre a relação das duas. A inconstância dentro de seu lar acabava com a estrutura emocional de Nailah, até o momento em que Amina, com a melhor das intenções, propusera passar um tempo longe de casa, viajando por Edom para respirar novos ares e para ser capaz de amenizar o conflito que estava se estabelecendo na relação delas, antes que esse passasse a níveis não saudáveis tanto para o casal quanto para Hessa.  

Ela nunca sentira um vazio tão grande quanto no dia em que vira Amina partir, e era capaz apenas de se prender ao beijo de despedida enquanto abraçava a filha com força. No ano que se seguira, seu cotidiano mudara drasticamente, sendo resumido a um lar formado somente por ela e Hessa. A alegria da filha entretanto, sempre contagiante, era capaz de aquecer seu coração e ver aquele sorriso era o que motivava o dia-a-dia de Nailah e tudo que ela fazia. A decepção no fundo do olhar de Hessa em seu aniversário de 18 anos, ao perceber que Amina realmente não estaria presente, partira o coração da mãe e ainda estava marcado em sua memória. Ela se esforçara naquele dia, e continuaria a se esforçar em todos os outros dias que estavam por vir, para não deixar a tristeza chegar aos olhos de sua filha. Ela precisava proteger aquele sorriso, o mais iluminado que Edom conheceria, e o único que a reconfortava quando, durante a noite, ela sentia apenas falta.  

(Hessa aos 18 anos)